sexta-feira, 22 de maio de 2009

Atribuição causal

“...o modo como subjectivamente interpretamos as consequências passadas do nosso comportamento ou antecipamos as suas consequências futuras controla o nosso comportamento actual.” , Harold Kelley (cit. Garcia-Marques & Garcia-Marques, 2003).

Atribuição causal. O que é isso? Como vivemos em sociedade, o que fazemos tem consequências (e causas) e somos, por isso, avaliados constantemente, não só pelos outros, mas também por nós próprios. Esta avaliação, influenciada por uma multiplicidade de factores, serve para explicarmos o nosso (auto-atribuição) e o comportamento dos outros (hetero-atribuição) e para descomplicar o mundo que nos rodeia, e que tantas dores de cabeça dá. A atribuição causal é, então, o processo através do qual atribuímos causas aos nossos comportamentos, e dos outros, como meio de regulação e organização.

São inúmeros os trabalhos feitos nesta área, por isso, e para que não fechem o blogue em cinco minutos, tentaremos ser o mais directas possível. Vamos começar por fazer um breve enquadramento teórico, das perspectivas mais significativas, e no final apresentamos um conjunto de exemplos que remetem para situações do nosso (e vosso) dia-a-dia em que fazemos uso da atribuição causal.

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Psicologia Ingénua – Heider

A perspectiva de Heider, Psicologia Ingénua – senso comum –, assenta em dois aspectos que remetem para ajustamentos distintos. Um realizado internamente e ao nível das nossas cognições, com o objectivo de promover o nosso equilíbrio, e outro ao nível da sociedade, levando a sentimentos de integração. Ou seja, para Heider, procuramos sempre as causas de um qualquer comportamento com o intuito de tornar o mundo envolvente compreensível, estabelecer invariantes no meio e percepcioná-lo como um todo (principio gestaltista - o todo é mais do que a soma de todas as partes) e, por fim, fazer previsões de possíveis comportamentos e agir de acordo com estas.

Desta forma, ao explicar determinado comportamento – atribuição causal – tendemos a atribuir a causa a factores pessoais/disposicionais, como o esforço, a motivação e a capacidade, em detrimento dos situacionais (e.g. Heider, 1944, cit. Sousa, 2006). Isto leva à criação de falsas crenças, neste caso centradas no sujeito-actor, o que contribui para sentimentos, errados, de controlo e conformidade, indo de encontro com os objectivos da atribuição causal propostos por Heider. No entanto, “a coordenação de perspectivas com outros permite-lhe uma construção da realidade que se ajusta à sua necessidade de equilíbrio” (Sousa, 1988, cit. Sousa, 2006).

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Modelo de Inferências Correspondentes – Jones e Davis

Jones e Davis debruçam-se sobre um Modelo de Inferências Correspondentes, em que os ganhos informacionais do percipiente (observador) sobre o sujeito-actor são o “motor” para compreender o “como” da explicação dos comportamentos. Segundo este modelo fazemos correspondências entre o comportamento e intenção do actor, desde que consideremos que este conhece as consequências do seu comportamento (intenção) e que tem capacidades para realizar a acção e produzir o efeito que deseja (intenção), explicando o comportamento pelo princípio da procura dos efeitos não comuns. Assim, quantos menos efeitos não comuns encontrados, a probabilidade do percipiente fazer uma inferência correspondente com confiança será maior, e vice-versa. Caso os pressupostos não se verifiquem, explicamos o comportamento segundo o princípio dos factores causais mais improváveis em que, se considerarmos que o sujeito não conhece as consequências da sua acção, substituímos a intenção pela ignorância e, se o comportamento se deu por uma questão de acaso (não controlável), o acaso surge como causa.

A desejabilidade social é, também, segundo Jones e Davis, importante na formação de inferências, devido ao script – esquemas que variam de acordo com a situação, contexto, etc., activados, muitas vezes, inconscientemente – que temos a cerca de como interpretar a realidade. A desejabilidade social leva-nos a explicar os comportamentos de acordo com expectativas que temos de um actor. Assim, tendemos a atribuir causas a factores disposicionais (internos) quando temos poucas expectativas relativamente ao sujeito-actor e a factores situacionais (externos) quando o comportamento é expectável/esperado, no sentido de ser desejável.

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Modelo da Co-Variação – Kelley

O modelo proposto por Harnold Kelley, co-variação, pressupõe que o comportamento do sujeito-actor, o estímulo/situação e a circunstância temporal em que a relação se dá vai ter grande impacto na explicação/atribuição de causas – actor, cenário e situação. É, por isso, um modelo de racionalização das nossas acções. Esta racionalização decorre de três tipos de informação: consistência; distintividade e consenso. A consistência, ou estabilidade, diz respeito ao conhecimento que o observador tem da história do actor, isto é, se este, perante o mesmo estímulo, em diferentes situações continua a comportar-se segundo o mesmo padrão de resposta. A distintividade refere-se à forma como o actor se comporta em diferentes contextos e situações, aumentando com a variabilidade do sujeito em diferentes contextos. O consenso relaciona-se, com a tendência que o outro, além do sujeito, tem para adoptar sempre determinado comportamento perante o mesmo estímulo. Mais uma vez, é defendido que temos necessidade de explicar os acontecimentos, na medida em que, nos confere sentimentos de controlo.

Segundo Kelley a estrutura cognitiva do raciocínio que fazemos para explicar eventos, esquema causal ou script, baseia-se nas relações de causa-efeito armazenadas na nossa memória – crenças causais. Estes esquemas são activados imediatamente após a exposição ao estímulo, variam de contexto para contexto e podem ser de dois tipos: esquemas de causas múltiplas necessárias (desconto) e esquemas de causas múltiplas suficientes (aumento). O primeiro esquema referido, e que remete para o desconto, diz que determinada causa vale por si só para desencadear o comportamento, enquanto, que no segundo, é desencadeado por um conjunto de causas em interacção.

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Teoria do Locus de Controlo – Rotter

A teoria do Locus de Controlo, de Rotter, assenta numa abordagem cognitivo-comportamental da motivação e atribuição causal. Segundo esta teoria, o padrão de reforços, positivos ou negativos, disponibilizado pelo meio envolvente aquando a socialização e a maneira como interpretamos os resultados de comportamentos anteriores, estão na base da formação e mudança de expectativas, que, por sua vez, vão influenciar a nossa motivação e futuros comportamentos.

O locus de controlo pode ser externo, quando os resultados do comportamento são atribuídos a factores externos (ex. sorte/azar, fatalidade/destino, outro) ou interno, quando atribuídos a características do próprio (ex. esforço, capacidade). A “determinação” do locus de controlo externo ou interno deriva do meio envolvente, e consequente socialização, isto é, meios em que o reforço positivo é potenciado tendencialmente leva os sujeitos a atribuírem as causas a factores internos (meio positivo –> controlo interno), e meios pobres em reforços positivos e passíveis de gerar situações de clausura social e emocional leva à explicação de consequências dos comportamentos com base em factores externos (meio negativo –> controlo externo).
O locus de controlo é, então, uma componente estável e unidimensional da personalidade, sendo que cada um tem características específicas. Assim, quando o controlo é interno, as pessoas tendem a ser mais eficazes e mais capazes para se adaptarem a diferentes situações e a resolverem possíveis problemas, enquanto isto, no controlo externo os sujeitos tendem a expressar mais dúvidas quanto às suas capacidades e recorrem menos à ajuda social.

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Modelo Tridimensional – Weiner

O modelo tridimensional de Weiner, que engloba as teorias das atribuições causais de Heider e do Locus de Controlo de Rotter, propõe que a competência, o esforço, a dificuldade da tarefa e o acaso, na cultura ocidental, são as causas-base da explicação de comportamentos de sucesso/insucesso. Segundo Weiner, são as percepções pessoais que fazemos acerca das possíveis causas de um acontecimento que guiam o comportamento, ou seja, não somos seres hedonistas, não agimos apenas com o intuito de alcançar o sucesso, mas em função das interpretações cognitivas que fazemos de determinada situação. As dimensões do modelo de Weiner são o locus de causalidade (externo versus interno), estabilidade (estável versus instável) e controlabilidade (controlável versus incontrolável).
A dimensão do locus de causalidade divide causas em externas, dificuldade das tarefas e os outros, de causas internas, das quais fazem parte a capacidade e o esforço, estando ligada a sentimentos de culpa e vergonha e de auto-estima, auto-confiança e percepção positiva do próprio, respectivamente. A dimensão estabilidade, por sua vez, divide as explicações em termos temporais e, assim, em variável (ex. esforço e sorte) e invariável (capacidade e dificuldade da tarefa), estando associada a sentimentos de resignação, depressão e apatia, quando a valência é negativa, e optimismo e confiança quando as expectativas são elevadas. Por fim, a dimensão controlabilidade avalia a responsabilidade pessoal ou dos outros pelas consequências do comportamento, positivas ou negativas.
As consequências psicológicas, como é o caso das expectativas futuras, e emocionais, como a auto-estima e auto-percepção, diferem de acordo com as dimensões causais referidas, causa interna ou externa, estável ou instável e controlável ou incontrolável. É de sublinhar que as representações sociais implicam um amplo conjunto de explicações sobre as mais diversas situações, e como já foi dito em cima, variam nas dimensões de atribuição causal e, consequentemente, variam ao nível das consequências, emocionais, comportamentais e cognitivas.

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Erro fundamental (enviesamentos) – Ross

Nos anos 40, na população ocidental, situações em que o observador sobrestimava factores pessoais em detrimento dos situacionais, eram consideras por Heider (1944, 1958ª, cit. Sousa, 2006) uma distorção perceptiva. Estas situações, nos anos 70, foram designadas de erro fundamental, ou enviesamentos, que, segundo Ross (1977, cit. Sousa), diz respeito à tendência que temos, enquanto observadores, de sobrestimar o papel dos factores pessoais disposicionais e subestimar os factores situacionais, aquando a determinação de causas do comportamento do sujeito-actor. Estes enviesamentos podem dar-se em três níveis diferentes: observadores, mais comum; actores e actores e observadores.
Os enviesamentos dos observadores, são os mais habituais e estes cometem-no por atribuírem, única e exclusivamente, a razão de um determinado comportamento a factores pessoais disposicionais, sem nunca ter em conta a situação. Ou seja, a atenção do observador foca-se no actor e a situação ou contexto, que muitas vezes, ou pelo menos tem grande impacto, é o motor da acção, nem tudo se pode explicar por factores internos, há que ter sempre em conta o meio que nos envolve e que tantas vezes nos condiciona e nos impele a adoptar determinado comportamento. Simplesmente é muito mais fácil atribuir causas internas ao comportamento dos outros, do que procurar saber o que realmente aconteceu e o que levou a comportar-se de determinada maneira. Porque é que isto acontece? A “criação” de uma unidade causal (acto+actor) é a única maneira que o observador tem de dar sentido ao acto, bem como aos factores que lhe estão subjacentes – causalidade fenomenológica de Heider. A dimensão social é também um factor preponderante no que diz respeito à atribuição causal, quer ao nível cultural, na medida em que na sociedade ocidental existe, de facto, uma norma social para a atribuição de causas a factores internos, o que não acontece noutras sociedades, como a chinesa e indiana (Miller, 1984, cit. Sousa 2006), quer ao nível linguístico, visto que, enquanto é possível descrever diferentes acções com um vocabulário semelhante, o mesmo não acontece com a situação.
Quanto à atribuição causal dos actores, deve-se a uma dissonância cognitiva que surge após a adopção de um comportamento contra atitudinal – não está de acordo com o que o sujeito realmente quer ou sente. Por exemplo, quando algo é feito porque foi prometida uma determinada recompensa e no final esta não atribuída a todos, aqueles que não receberam nada são os que interiorizam a atitude proposta e mantêm-na ao longo do tempo, por conseguinte, os recompensados retomam a sua atitude inicial e abandonam a atitude anteriormente recompensada [ver atitudes].

Quando os enviesamentos são feitos por actores e observadores, em simultâneo, cada um segue caminhos diferentes. O actor tem tendência a atribuir as causas a factores externos/situacionais, que não pode controlar, e o observador, por sua vez, a causas internas e disposicionais do sujeito. As explicações quanto ao tipo de atribuição feita passam pela quantidade de informação disponível, pelas orientações perceptivas e factores linguísticos, variando do actor para o observador. Enquanto que o actor sabe qual foi a sua conduta anterior face a estímulos semelhantes, o que pretende alcançar e o esforço que investiu nesses mesmos objectivos, o observador não tem acesso a essa informação, havendo uma lacuna ao nível dos factores intrínsecos ao sujeito. Como já foi dito anteriormente, o observador centra a sua atenção somente no comportamento do actor e este no meio envolvente (situação/contexto) ou nas suas características individuais, que varia se este tiver insucesso ou sucesso, respectivamente. Quanto à linguística, o uso de verbos é utilizado maioritariamente pelo actor para descrever as suas acções, explicá-las e justificá-las; o uso de adjectivos é, regra geral, a base dos observadores para descrever os comportamentos. No entanto, quando o actor é bem sucedido, a tendência para atribuir as causas a factores externos é substituída por factores internos, bem como quando os resultados são os esperados e vão de encontro com as suas expectativas, protegendo, assim, a auto-estima, auto-confiança e auto-percepção.
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Erro Fundamental nos Psicólogos – Leyens

Por sermos futuras psicólogas, assim o esperamos, e por ser um erro tão grave e que tantos incómodos pode provocar, especialmente para quem está do outro lado, decidimos fazer um “capítulo” exclusivo para esta problemática. Não queremos fazer crítica aos psicólogos e ao seu trabalho relativamente ao erro fundamental, nós próprias daqui a uns anos (e até agora no nosso dia-a-dia) vamos deparar-nos com este problema, por isso, apenas queremos alertar para a sua existência, deixando claro ser de máxima importância não esquecer esta possibilidade durante a terapia, não deixando de parte qualquer outra possibilidade que não aspectos psicológicos. Quando se faz uma análise há que ter todos os aspectos possíveis e imaginários em conta e só depois de os analisar começar a excluir possibilidade a possibilidade.
O problema da relação terapeuta-cliente, o primeiro com o papel de observador e o segundo actor, deve-se, como já mencionamos acima, à diferente quantidade de informação disponibilizada para ambos, à pertinência e à forma como cada um a assimila. Por esta mesma razão o psicólogo deverá ser alguém que consegue “eliminar” esta análise reduzida apenas a factores intrínsecos ao sujeito, assim como deve ter cuidado ao fazer o diagnóstico. Porquê? Somos todos seres idiossincráticos e, por isso, não são apenas os motivos internos que nos movem, há que ter sempre em conta o contexto em que nos inserimos, todo o ambiente social e relações que estabelecemos, mas infelizmente para os “engenheiros” da saúde mental, isso nem sempre acontece. O facto de cada organização da personalidade e respectivos carácteres estarem categorizados segundo determinadas características e sintomatologia específica, leva a que análises feitas muito precocemente possam levar a desfechos menos agradáveis, dai que achemos ser necessário dar um passo de cada vez e ter em conta os riscos associados.
Em suma, e sem nos queremos repetir, mas já estando a fazê-lo, é NECESSÁRIO termos em conta que somos seres IDIOSSINCRÁTICOS e SOCIAIS, assim como não nos “construímos” num vazio social, também não agimos nele. MAIS, não nos podemos fechar e restringir a normativas que excluem qualquer factor que seja e, por isso, devemos explorar todas as possibilidades, desde as que nos parecem ser mais razoáveis até às mais mirabolantes.

EXERCÍCIOS (2):

Sucesso/Insucesso – Efeito pigmaleão

Ao contrário do que se passa com a magia, nós, aqui, dizemos: façam isto em casa:

Façam a vossa criança (filho, sobrinho, entiado, primo...) escrever uma composição. Façam duas versões, ou seja, apesar da composição ser a mesma, em cada uma estará escrito o nome dos pais e a sua profissão (diferente para casa versão). Depois, distribuam os textos pelos restantes amigos e familiares – a uns, entreguem a versão que diga que os pais têm uma profissão de, por exemplo, vendedores, empregados de balcão, etc., a outros entreguem a segunda versão, onde os pais, desta vez, suportarão uma profissão como médico, advogado, empresário, etc. Sabem o que acontece? É que, apesar do texto ter sido escrito pela mesma criança, este vai, certamente, ter um impacto diferente nas pessoas que o lêem pela profissão que os pais assumem, o que acaba por condicionar o facto de se se gostar, ou não, da composição.

Por vezes, no seio escolar, as crianças vêem-se confrontadas com essa realidade: um bom aluno ao realizar um teste, se se engana o professor não terá, propriamente, em conta esse erro uma vez que poderá incorrer no erro de pensar “enganou-se. É tão bom aluno que não deve ter reparado neste erro. Foi distracção, porque ele sabe como se faz”; por sua vez, um aluno que tenha mais dificuldades de aprendizagem, se realiza um teste detentor de alguns erros, o professor achará normal e, por isso, cotará o erro em questão. O mesmo acontece quando este aluno realiza um teste de boa qualidade, o professor poderá incorrer no erro de dizer que “foi sorte” ou “o teste era fácil”, em vez de admitir que o aluno estudou e que, por isso, sabe!

Assim, falemos do efeito pigmaleão, ou seja, no facto das pessoas tornarem-se naquilo que os outros esperam que se tornem. Isto é, a previsão ou expectativa de um acontecimento pode realmente fazer com que este aconteça. Por exemplo, se as expectativas de um namorado para com o outro são altas, o namoro tem probabilidade de ser excelente. Se, porém, as expectativas forem baixas, esse namoro está fadado ao fracasso.

Curiosidade: Pigmaleão foi um escultor da mitologia grega que esculpiu uma estátua de uma bela mulher. Acreditou tanto nela (e apaixonou-se por ela) que os deuses deram vida à estátua.



Nem tudo é o que parece!

São 12h e o Pedro ainda não apareceu. Combinámos tomar o pequeno-almoço às 10h30. Que falta de consideração. Preciso dele, mas ele não está. Olho, ofegante, segundo após segundo, para o telemóvel. Sem mensagens novas. Respiro fundo, pago o café que, entretanto, acabei por beber. Vou-me embora, ficou mais que claro que ele não gosta de mim.

21h42. O telefone toca, é do Hospital. O Pedro ia a conduzir, ficou sem gasolina. Decidiu ir a pé. Escorregou numa casca de banana e caiu para o riacho que havia mesmo atrás de si.

Afinal, nem tudo é o que parece...


Publicado por Pereira & Mota, 2009

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